Sedução Homicida - História

(Parte I)
«- Já sabes o que tens de fazer, certo Daniela?
- Sim, senhor.
Daniela pegou na sua mala e deixou a sala enquanto António sentado na cadeira ao fundo da mesa fazia remexer a bebida dentro do copo.»
Estava toda a gente de um lado para o outro, lotando as ruas de Londres. Conseguir entrar num táxi ou num autocarro seria quase um milagre para cada uma daquelas pessoas que com a greve do metro, lutava para chegar ao emprego a horas.
Ao pé de um sinal vermelho encontrava-se um táxi já com um homem de negócios lá dentro. Tomás melhor dizendo. Era novo, cabelo castanho claro levemente encaracolado e com uns grandes olhos castanhos escuros. Subitamente, alguém abriu a porta de trás do táxi entrando para o seu lado. Entrou mas, logo o taxista a impediu de falar.
- Não vê que já tenho um senhor cá dentro? Espere por outro táxi!
- Ah! Eu não me importo. – E virando-se par Tomás ao mesmo tempo que ajeitava o cabelo todo remexido pelo vento. – Importa-se? Para onde você vai? Até pode ser que vá para o mesmo sítio de eu… Pagamos a meias pode ser?
- Ah… ah…- Tomás ainda não se tinha bem apercebido do sucedido. – Eu vou para aqueles escritórios hum… melhor dizendo laboratórios de ciência forense…
- Ah mas eu também! Que coincidência! Então está combinado pode ser? – Disse euforicamente assustando Tomás. – Eu sou Daniela Rodrigues, prazer. Sou uma nova estagiária de lá. Até me podia ajudar.
- Tomás Filipe, prazer… Eu só o gerente daquela área, filho do dono da empresa de pesquisa de ciência forense.
Daniela acalma-se e de repente leva as mãos à cara.
- Que se passa?
- Que vergonha! Eu aqui a ter estas atitudes diante do meu chefe logo no primeiro dia. Que trapalhona. Nem se quer com ninguém devia ter estas atitudes. Perdoe-me.
- Ah! Não faz mal… Ora essa.
O táxi parou. Tomás pagou e quando saiu do táxi já Daniela estava de mão estendida com o dinheiro que tinha prometido dar: metade do pagamento.
- Esta fica por minha conta, Daniela. Não é preciso pagares.
- Tem a certeza senhor?
Tomás deixa escapar uma enorme gargalhada enquanto Daniela eleva a sua sobrancelha.
- Senhor não… Não sou assim tão velho. Até devo ter a tua idade. E podes-me tratar por tu.
- Mas é o meu chefe…
- E então? Aliás só o sou por ser filho do senhor director. – disse com um ar irónico a última parte.
Daniela mostrou-se um bocado pensativa mas logo disse. – Okay, Tomás. Mas, para a próxima pago eu. – E esboçou um sorriso sendo-lhe retribuído por Tomás.
(…)»
Blog da autora do texto original - Love, Dreams and Homeless


(Parte II)
Daniela apressou-se a sair do carro, mas sentiu uma mão a agarrá-la pelo braço.
- Olha, podíamos ir tomar um café? Ainda falta um pouco para teres de começar a trabalhar, cerca de 20 minutos não é? - Daniela corou e prontificava-se a responder mas rapidamente Tomás cortou-lhe a palavra - Não aceito um não como resposta e assim sempre me compensavas por eu ter pagado o táxi, que me dizes?
- Sendo assim acho que não posso recusar … -disse um pouco atrapalhada.
Sentaram-se na esplanada do café e, após a chegada do empregado e terem feito o pedido, instalou-se um silêncio constrangedor…
- Parece que não sou eu a única atrevida aqui – disse Daniela tentando quebrar o silêncio.
- Como assim? – Tomás pareceu surpreendido com a observação.
- Sim, eu fui atrevida ao entrar no táxi daquela forma, um pouco mal-educada até, mas tu não te deixaste ficar atrás, até me convidaste logo para vir tomar um café e nem me deste hipótese de escolha.
Começaram a debater esse assunto, bastante entretidos até e então Daniela olhou para o relógio e já tinham passado 15 minutos, Daniela agarrou na mala, tirou a carteira enquanto Tomás a olhava estupefacto, meteu em cima da mesa o dinheiro para pagar os dois cafés e desajeitadamente disse – Tenho de ir, eu sei que faltam 5 minutos, mas tenho de chegar um pouco mais cedo, é o meu primeiro dia e não quero chegar tarde. Eu pago os cafés.
Levantou-se e começou a dirigir-se para o edifício ainda ouviu Tomás gritar – Vemo-nos mais tarde – mas seguiu o seu caminho.


(Parte III)
- Bem, parece que entras cedo e sai tarde – Daniela deu um salto, assustada, com uma abordagem tão repentina e pouco esperada, voltou-se e viu que era Tomás, sorriu.
- Ah, pois... Sabes como é, muito trabalho, fica sempre tudo para os estagiários, isto é, o trabalho chato … - Soltou um pequena gargalhada atrapalhada; ela não estava a compreender o porquê de se sentir sempre tão pouco confiante na sua presença e sentiu a sua face roborizar, tentando escondê-lo com o cabelo.
- Deixa-me acompanhar-te a casa – ofereceu-se Tomás
- Muito cavalheiro, estou a ver – disse enquanto este lhe piscou o olho, voltou a corar - Está bem, pode ser! Mas como pensas fazê-lo? Tu vieste de táxi como eu.
- Eu sei, mas fi-lo porque tinha deixado o carro no parque de estacionamento do laboratório.
(….)
Estavam quase a chegar a casa de Daniela e ela teve um pouco de receio da presença de Tomás, mas tentou ignorá-lo. Ao chegarem ao portão da casa, Tomás desligou o motor do carro e dirigiu-se á porta do passageiro, para a abrir antes que Daniela conseguisse reagir.
- Estamos cheios de surpresas: ou és incrivelmente bem-educado ou estás mesmo a tentar que eu fique apanhada por ti – Disse Daniela roborizando, novamente e convidando-o a entrar.
- Digamos que é uma mistura de ambas as coisas – disse Tomás sem qualquer tipo de rodeios e aceitando o convite.


(Parte IV)
Daniela tirou as chaves de dentro da mala, dirigiu a mão esquerda a maçaneta e, quando ia enfiar a chave na fechadura reparou que a porta se encontrava aberta.
- Que estranho – murmurou e fez sinal a Tomás para este fazer silêncio.
Abriu a porta lentamente, de modo a que esta não rangesse e, com a fraca iluminação do luar, conseguiu vislumbrar, subtilmente, o interior da sua casa: encontrava-se tudo espalhado pelo chão, as mesas e cadeiras viradas ao contrário, toalhas e gavetas caídas no chão, todas as portas do armário abertas … Daniela deu um passo atrás, sendo o seu corpo gentilmente amparado pelas mãos de Tomas, este olhou-a confuso e ela retribui-lhe com um olhar assustado.
- É melhor chamar a polícia – Disse Tomás, levando a mão ao bolso direito das suas calças de ganga azul escura, do qual retirou o telemóvel marcando o número da polícia e informando do sucedido e dando-lhes a morada – Chegam em 5 minutos. Olha uma coisa …
- Diz … - Daniela parecia realmente assustada com todo o sucedido e com a toda a calma demonstrada por Tomás.
- Que dizes de passares a noite em minha casa? Eu tenho dois quartos e, com tudo isto, não deves poder ficar aqui. Não quero que vás, sozinha, para um Hotel; aliás, se alguém cá esteve pode querer algo de ti e seguir-te e, comigo, ao menos não ficas sozinha.
Daniela aceitou a proposta de Tomás e após a chegada da polícia e da mesma ter feito o reconhecimento do local e ter tomado os depoimentos do sucedido dirigiram-se, ambos, para casa de Tomás. Daniela passou toda a noite a pensar no mesmo “ Será que foram eles? Estariam á procura de informações?”


(Parte V)
Daniela agarrou no telemóvel, que se encontrava dentro da mala e digitou uma mensagem “Entraram em minha casa. Acho que queriam informações, mas eu tinha tudo no meu PDA. Não faça nada, vou manter o disfarce e alinhar em tudo, talvez seja mais fácil assim. Daniela” e enviou-a.
Chegaram a casa de Tomás, situava-se num bairro social de gente que, via-se, tinha um grande número de posses materiais. A sua casa possuía um grande jardim, cheio de canteiros de flores e duas grandes árvores, junto de uma piscina; toda a casa era creme, excepto o telhado cor de barro. Tinha janelas amplas, e uma varanda no primeiro andar. A casa tinha três pisos: uma cave ampla que tinha uma grande mesa de snooker e um bar, o rés-do-chão no qual estavam a sala e a cozinha que estavam ligadas, assim como uma casa de banho, perto das escadas para a cave, tinha também outro lance de escadas que dava para o primeiro andar, no qual se encontravam os dois quartos e uma outra casa de banho.
Daniela sentou-se no sofá da sala em frente a uma grande televisão plasma enquanto Tomás ia prepara-lhe o quarto, entretanto recebe uma mensagem “Trata do assunto, o mais rápido possível”, Daniela passou o olhar por todos os cantos da casa de modo a examiná-la, procurando câmaras de segurança, de modo a tentar perceber se conseguia safar-se com tudo isso. Ao verificar que não existia nenhuma câmara em canto algum do piso ia-se preparar para agir quando ouve uma música, muito calma, a sair da aparelhagem a cerca de dois metros do sofá no qual se encontrava sentada. Preparava para se voltar para trás, para ver o que se passava, mas apenas vislumbrou um vulto que se mexeu rapidamente na sua direcção. Ia gritar mas algo a impediu …

(Parte VI)
Sentiu uns lábios de encontro aos seus que a beijavam ferozmente, umas mãos frias de encontro à sua pele quente, sentia um corpo de encontro ao seu e os movimentos de ambos a tornarem-se numa harmonia perfeita. O seu coração acelerava, batia cada vez mais forte e mais depressa e a sua respiração tornava-se ofegante. Ela sabia que tinha uma missão, algo a fazer o que, nesta altura, se tornava desagradável apenas de pensar. Porque estariam eles a criar algum tipo de ligação? Não, ela não podia, mas deixou-se levar.
Tomás tirou-lhe gentilmente a camisa e, do mesmo modo, ela tirou-lhe a dele. Apressadamente Daniela despiu a saia, deixando-a cair, graciosamente, pelas pernas e empurrando-a, com um pé, para um canto da sala; descalçou os seus sapatos de salto alto e apressou-se a desapertou-lhe a fivela do cinto e despindo-lhe as calças, de seguida. Ele pegou-a ao colo levando-a para o seu quarto.
Deitou-a na cama e os seus corpos uniram-se como se fossem um só; ela não devia mas não conseguia, ou melhor, não queria dizer-lhe não! Sentia o coração dele bater e a sua respiração tão ofegante como a dela; ela gritava de prazer e puxava-lhe os seus cabelos encaracolados pedindo mais. Passaram a noite comprimindo os seus corpos, um de encontro ao outro, ate que acabaram por adormecer.

(Parte VII)
Os raios de sol começavam a surgir, lentamente, pela janela e a invadir o quarto. A sua ténue luz fez com que Tomás acordasse. Este olhou para Daniela e afagou-lhe o cabelo dando-lhe, seguidamente, um beijo na testa o que a acordou. Ela levantou-se sobressaltada, sentando-se na beira da cama, afastando o seu corpo de Tomás.
- O que fomos fazer? – disse – Eu...eu não podia – escondeu a face entre os longos cabelos, tapando-a com as mãos.
Tomás levantou-se da cama e ajoelhando-se em frente dela disse – tem calma – e beijou-lhe, novamente, a testa – Nós não fizemos nada de mal.
Daniela voltou a afastar o seu corpo dele e levantou-se da cama – Hoje vou procurar um sítio para ficar … não posso ficar aqui.
- Não sejas tola. E vais para onde? Ainda por cima ficares sozinha? Depois do que se passou em tua casa? Vais ficar aqui! – Disse Tomás levantando-se e dirigindo-se a ela. Abraçou-a e sentia as lágrimas dela a baterem de encontro ao seu tronco nu enquanto ela murmurava “eu não devia, não podia” – Tem calma, não fizemos nada de mal - repetiu.
O seu telemóvel vibrou e ela recebeu uma mensagem que a deixou petrificada por alguns segundos.
“Espero bem que não estejas a pensar trair-me. Acaba já com tudo. Sabes o que tens a fazer. Senão tratares tu de tudo, tratamos nós. E ‘trataremos’ ti também. A”

(Parte VIII)
- Que se passa? – inquiriu Tomás.
- Ah … Nada, nada – notava-se a tensão e o medo na sua voz, mesmo tendo ela tentado disfarçar.
- Não me parece que seja apenas nada – disse Tomás, fazendo-lhe um olhar confuso – Diz-me, quero tentar ajudar-te.
- Não me podes ajudar. Aliás, tu nem devias ter entrado na minha vida, não desta forma. Adeus – Agarrou nas suas coisas e saiu de casa de Tomás a correr entrando num táxi que se encontrava pouco mais a frente. Tomás ainda a seguiu mas não foi a tempo de ir buscar o carro e apenas de ver o táxi desaparecer no fim da rua.
A meio caminho de sua casa sentiu a sua mala a tremer e percebeu que lhe estavam a ligar, era a quarta vez seguida.
- Estou? – Atendeu.
- Como ficaram as coisas? – Inquiriu António.
- Não posso falar. Estava desconfiado. Não consegui. Depois volto a ligar. – Disse, tentando que o motorista não estranhasse muito.
- Estou a ver que te encontras acompanhada. Vou voltar a ligar, sabes disso. Tens de acabar o que começas-te. – Repreendeu António, como se estivesse a falar com uma criança pequena. – Podes ir á vontade para tua casa, os meus homens já lá foram certificar-se que não existia nada de suspeito, nem escutas nem nada do género. E, mais logo, vou mandar lá um homem para vigiar as coisas durante a noite e outro no dia seguinte. Adeus.
- Sim, compreendo. Adeus – desligou.

 (Parte IX)
Daniela chegou a casa e tinha passado pouco mais de 15 minutos desde que tinha saído de casa de Tomás. Saiu do táxi que tinha estacionado duas casas antes da sua porque o resto da rua encontrava-se ocupada, o que até era estranho. Não teve de andar muito mas esteve o tempo todo a olhar para trás, sentia-se observada, como se alguém a estivesse a vigiar.
“Se calhar estão mesmo a seguir-me”- pensou por breves momentos e logo depois achou que ou seria alguém do pessoal do António ou os outros: nenhuma das hipóteses era tranquilizadora.
Tomás tinha-lhe ligado, ele só queria perceber o que se passava, mas ela rejeitara-lhe a chamada.

[Pensamento de Tomás]
“Que será que eu fiz de errado? Ela não parecia estar incomodada ontem á noite. Que será que mudou? Que será que continha aquela mensagem que a deixou tão abalada? Calma Tomás, mas porque te importas tanto com ela? É certo que fizeram … coisas … mas só ontem é que a conheceste, porque será que te importas tanto. Ah boa, agora estou a falar comigo mesmo, muito bom não haja dúvida, qualquer pessoa que olha-se para mim devia de achar que eu tinha ar de quem estava insano a olhar assim para o nada especado. Controla-te rapaz. Ai que estou atrasado, porra, ao menos pode ser que a veja, vá despacha-te, mexe-te.”

[Pensamento de Daniela]
“Se calhar não devia ir ao laboratório hoje, pelo menos para que ele não andasse atrás de mim para saber o que se passa. Mas, se não for lá no meu segundo dia, vai ser suspeito e vou acabar por estragar tudo e depois o António … Vá, não interessa. Evito-o e pronto, está feito. Vá, mexe-te e não fales sozinha que pareces uma atrasada. É isso mesmo, já se…”

Daniela estava a concluir, no seu pensamento, uma espécie de plano de maneira a conseguir não ver Tomás, quando tocam a campainha. “Ai porra, será que é ele?” – pensou enquanto se dirigia a porta.

(Parte X)
- Ah... É você – disse Daniela ao abrir a porta. Ela achava que seria Tomás mas não era. Sentia-se uma grande tensão, mas algum alívio na sua voz.
- Quem é que poderia ser a esta hora? – Inquiriu António com uma voz rígida, como que se estivesse a repreende-la.
- Ninguém, ninguém – respondeu virando-lhe as costas e caminhando em direcção á cozinha – Vai entrar ou ficar ai o tempo todo?
António entrou na casa, batendo com a porta atrás de si com quase toda a força que tinha. A porta estremeceu. Teria sido chamada a polícia por um vizinho caso isto se passasse noutro local, mas naquela casa, ultimamente, tornara-se habitual das poucas vezes que António lá aparecia, batia com a porta gritava, muitas frases que pareciam codificadas, e ia-se embora batendo novamente com a porta.
- Explicas-me no que estás a pensar? – Vociferou António dando um murro na mesa da cozinha. – Queres dar cabo de tudo? NÃO AJAS COMO UMA IDIOTA! – As suas palavras frias pareciam pedras atiradas contra o corpo de Daniela a qual permanecia imóvel, com um ar calmo, apesar de ter medo que este lhe fizesse alguma coisa, pois sabia bem do que era capaz. – Tens menos de uma semana, estou-te a avisar. Depois contacto com mais pormenores. – Sem dizer mais outra palavra ou esperar sequer uma resposta, virou-se, caminhou em direcção á porta, voltando a bater com ela, estremecendo-a.
Daniela encostou-se á parede, deixando-se deslizar até ao chão, ficando sentada a olhar para o tecto branco e iluminado da sua cozinha. Agarrou no telemóvel e mandou uma mensagem a Tomás desprovida de qualquer emoção: “Chefe, estou com uns problemas. Sei que não é desculpa mas não posso ir trabalhar. Desculpe. Daniela”

(Parte XI)
Tomás não respondia e ela, não sabendo o que achar começava a sentir-se inquieta. Estava a começar a gostar dele, mas não sabia o porquê de uma noite, uma única noite, na qual tiveram relações, tinha feito com que eles criassem uma ligação. Ligação essa que ia estragar tudo.
Sentou-se no sofá e acabou por adormecer. Acordou quando alguém lhe colocou a mão no ombro. Rapidamente se colocou em pé e olhou para a cara dessa pessoa …
- Que fazes aqui? Como entraste? És estúpido? Pregaste-me um susto de morte – Gritou num misto de medo e fúria.
- Desculpa, a porta estava aberta … - Responderam-lhe com uma voz que suplicava perdão, como se de um pedido de desculpas cada letra se tratasse. – Eu vim apenas ver o que se passava, se estava tudo bem … E quando vi a porta aberta estranhei, principalmente depois do que se passou na outra noite. Chamei-te mas não respondeste e por isso entrei para ver se alguma coisa se passava. Desculpa. – Ouvia-se alguma tristeza na sua voz.
- A porta estava aberta Tomás? Viste alguém aqui perto? – Inquiri, não podia acreditar, alguém deveria ter estado lá em casa e eu não tinha dado por nada.
Não voltando a olhar para Tomás dirigi-me rapidamente a porta e olhei para todos os lados. Ele tinha-me dito que não tinha visto ninguém mas eu fora verificar á mesma. Vi um carro cuja matrícula eu conhecia, tinha-me sido enviada por mensagem e após apresentada a matrícula dizia, em letras grandes: “CUIDADO”. Fechei a porta e embati nela com as costas, deixa-me escorregar lentamente até ficar sentada no chão, atitude a qual já tinha tomado hoje. Eles tinham estado lá dentro e talvez ainda estariam. Olhei para Tomás aterrada e ele fitou-me com um ar confuso, novamente.

(Parte XII)
- Diz-me o que se passa. Não consigo compreender o porquê de te encontrares assim. Já de manhã reagiste do mesmo modo. Que se passa de tão mau para estares nesse estado? – Dirigiu-se a mim e agarrou-me nas mãos que envolviam os meus joelhos, segurou-as junto ao seu peito e eu sentia o seu coração a bater – Eu vou fazer tudo o que puder para te proteger, mas tens de deixar-me ajudar-te.
- Não o podes fazer. Não me podes ajudar e muito menos o podes fazer por ti. – Suspirou.
- Por mim? Mas se comigo não se passa nada. – a confusão na cabeça de Tomás aumentava a cada segundo e a cada respirar.
- Sim … não te posso explicar. Por favor, por favor, afasta-te de mim, para que tudo seja mais fácil. – Rogou Daniela.
- Mas … - Tomás fora interrompido por um bater brusco da porta da cave. Saíram de lá, de rompante, dois homens com máscaras e agarraram em Daniela. Tomás também fora levado.

(Parte XIII)
Não sabiam onde estavam mas, apenas Tomás, se mantinha inconsciente em relação ao que se passava, ao que o envolvia. Daniela encontrava-se demasiado calma para a presente situação. Tomás, ainda meio atordoado, vagueava pela sala escura, ouvindo-se o tilintar das correntes que impossibilitava que, cada um deles, se movimentasse mais de dois metros. Tomás começara a tomar consciência da situação, ele era apenas um dano colateral, não era a ele que o queriam. Já lá tinha entrado um homem, sempre o mesmo homem, tantas vezes que ele já tinha perdido a conta. Tinha-os ameaçado mas falara sempre com Daniela. Ela era a chave disso tudo e ele tinha de perceber o que se passava ali.
- Explica-me. Diz-me o porquê. – Disse, com a maior calma que conseguiu reunir para que as suas palavras fossem claras. Daniela permaneceu em silêncio. – FALA, diabo. Eu mereço saber porque é que vim arrastado para aqui. Já percebi que não é nada comigo. Por isso, começa a falar. – Tomás estava exaltado e falava com tamanha fúria que Daniela nunca tinha visto, nem mesmo em António, o homem misterioso e revoltado, que lhe dava ordens.
- Tudo bem, eu vou … - Foram interrompidos. Um homem, desta vez mais corpulento, entrou bruscamente naquela cave suja e húmida que os aprisionava, não lhes dando possibilidade de fuga. A porta, que já se encontrava fechada, ao bater contra a parede partira-se em parte e possibilitava a entrada de luz. O homem agarrou no braço de Daniela, abriu as correntes e arrastou-a até lá fora, para a sala onde se encontravam mais três homens, sendo um deles o que eles já tinham visto. Tomás ficou sozinho no escuro. Ele queria respostas mas teria de esperar para as obter.

(Parte XIV)
Tomás tinha consigo um pequeno relógio de bolso, no qual vira passar duas horas e, só aí, passadas essas duas horas Daniela voltara. Vinha cheia de nódoas negras, o cabelo emaranhado, com a cara e o corpo todos arranhados e com marcas de queimaduras nos braços.
- Que se passou? Que te fizeram? – Bradou Tomás dirigindo-se rapidamente a ela, que se encontrava deitada no chão.
Daniela limitou-se a olhar para ele, não dizendo nada e baixando novamente a cabeça. Tomás voltou a vaguear pelos poucos metros que conseguia, ouvindo apenas o soluçar de Daniela. Ainda lhe era possível visualizar a sala onde se encontravam, agora, os quatro homens sentados. Encostou-se a parede de tijolo, numa zona que possuía um relevo diferente: tijolo meio saído. Começou a tentar quebrar a corrente contra este, mas sem sucesso.
- Estás louco? Desejas que te ouçam e te matem? – Perguntava, incrédula, Daniela. As correntes não faziam propriamente pouco barulho.
- Provavelmente vão pensar que andamos aqui de um lado para o outro á procura de uma solução inexistente. – A sua voz suava fria e dura, como se fosse uma lâmina a desferir golpes no corpo de Daniela.
- Desculpa-me! – A sua voz falhou-lhe. Daniela estava completamente dividida, não sabia o que fazer.

(Parte XV)
- Tens muito tempo para me lamentar, agora não me interessam os teus pedidos de desculpa. – Bradou novamente, quase num grito, Tomás, com uma voz fria, rude, maquinal e desprovida de qualquer emoção.
“No que o transformei”-pensou Daniela -“podia ter acabado com tudo rapidamente, podia agora não gostar dele, podia agora não me importar, nem sentir todas estas palavras matarem-me por dentro, poderia estar a cumprir o que me estava destinado e não estaríamos ambos nesta situação.”
Inspirou, olhou para ele, uma, duas, três vezes, suspirou e começou a ganhar coragem, então olhou-o nos olhos e disse-lhe:
- Eu sou quem eles querem. Tenho de arranjar forma de te tirar daqui. Esta luta não é tua apesar de estares, irremediavelmente, destinado a ela. Não fui eu que te quis arrastar para ela, nem devias estar aqui; foram as circunstâncias. Estes homens foram os que entraram em minha casa na outra noite, tenho a certeza que queriam uns documentos sobre ti, mas eu tenho-os numa pen que anda sempre comigo mas, neste momento, não se encontra em minha posse. Eu não te disse tudo, mas também não te devia dizer isto. Mas nada disto vai acabar bem, por isso, eu já tenho um destino traçado, o melhor que tu tens a fazer é fugir. Eu comecei a gostar de ti, nunca acreditei em amor á primeira vista, nunca acreditei em amor, mas desde que te vi fiquei, indubitavelmente, atraída por ti e não consegui evitar. Num dia mudas-te tudo o que podia ser mudado. Por isso vai, arranja maneira de fugir e esconde-te; esconde-te porque toda esta guerra é sobre ti.

(Parte XVI)
- O QUE É QUE EU TENHO A VER COM ISTO TUDO?! DIZ-ME! – Gritou e, as suas palavras, saíram-lhe algumas sem força e outras cheias de raiva. Ele sentia-se a descontrolar; tinha as emoções ao rubro, tudo aquilo mudava uma pessoa: tão depressa parecia apático e frio como mostrava todos os seus sentimentos numa frase.
- Não sei, não sei porque te querem, mas eu estava destinada a … Esquece. Não sei porque te querem, nunca me disseram. – Fez uma longa pausa, Tomás olhava para ela ainda a assimilar a informação que lhe fora fornecida. – Essas correntes, terão de ser arrancadas da parede, com movimentos subtis de modo a que não se ouçam. Eu ajudo-te.
Tomás afastou-se dela, afastando também as correntes, o mais que pôde. – Porque devo eu confiar em ti? Até agora tudo o que fizeste foi, única e exclusivamente, MENTIR-ME. – Essa ultima palavra fora dita com tamanha fúria, maior do que em qualquer outra palavra pronunciada.
- Eu sei, mas tinha de o fazer, desculpa.
- Porquê?
- Não posso dizer. – “Por favor, não faças perguntas” era o pensamento que imperava na mente de Daniela, ela sabia que acabaria por ceder, mais cedo ou mais tarde.
- Estás a ver? E ainda queres que confie em ti? Ridículo, deixa-me que te diga. – Mais uma vez as palavras de Tomás feriam Daniela, nem ela sabia como, mas parecia que lhe deferiam golpes por todo o corpo.
- Queres sair daqui ou não? – Inquiriu Daniela.

(Parte XVII)
Tomás não voltara a resistir á ideia, não sabia se devia confiar nela e havia ainda muitas perguntas para as quais ele pretendia obter resposta. Daniela conseguira libertá-lo de uma corrente, as correntes já eram um pouco velhas e ferrugentas e tinham sido, assim, mais fáceis de quebrar. Tomás tinha visto como fazê-lo, mas assim que se prontificou a fazê-lo ouviu-se, de novo, a porta a embater na parede, bruscamente. Este apenas tivera tempo de disfarçar a corrente quebrada de modo a que não se notasse.
- TU, VEM COMIGO. – Soltou Daniela das correntes, olhou de soslaio para Tomás e sibilou – Não te preocupes porque a seguir já te venho buscar.
“SE eu não tratar de ti primeiro.” – Pensou, mas rapidamente se apercebeu que seria inútil, o barulho que as suas correntes fariam, mesmo soltas da parede, e o facto de se encontrar em desvantagem numérica desfavoreciam-no imenso. A sua única hipótese seria fugir! Mas ele sabia que não teria coragem de deixar Daniela para trás, apesar de tudo o que se passava e de tudo aquilo que ele não percebia, o que era muito.
Tomás estimava que eles só voltariam a levar Daniela até lá, se voltasse, dentro de duas horas, talvez mais, levavam sempre por volta disso: duas horas, duas longas horas que ele passava sozinho e, nas quais, ela era espancada brutalmente. Mas, assim, ao menos, ele teria tempo para se libertar da outra corrente que faltava. Estava quase a conseguir quando se ouve um estrondo, apressou-se a retirar a corrente, com um puxão mais forte consegui soltá-la. Numa questão de segundos ouviu-se mais um estrondo, e outro e um tiro. Tudo ficou em silêncio, e tudo o que Tomás conseguia fazer ali, aterrado, era olhar pela porta.

(Parte XVIII)
Tomás agarrou as correntes de modo a estas não fazerem barulho e dirigiu-se á porta, para poder espreitar pela parte que se encontrava partida. Tomás viu um homem, desconhecido, aparentava ter quase 50 anos mas, no entanto, pouco mais devia ter que 40; notava-se na sua cara um ar cansado e desgastado, como se andasse á anos a tentar concluir algo, era mais alto que a média e, de certa forma, intimidava-o. Conclui, após uma pequena análise desse indivíduo, que ele não pertencia ao grupo dos raptores, pelo menos não o tinha visto ainda. Os quatro homens que o tinham raptado encontravam-se estendidos no chão, três inconscientes e um morto, presumiu. Definitivamente, tinha chegado á conclusão que eles não pertenciam ao mesmo grupo e que, talvez, não quisessem o mesmo. Talvez fosse a ele que Daniela se tinha referido. Mas havia algo que não lhe fazia sentido, quando olhou ficou tão centrado no homem que não tinha reparado que ele e Daniela se encontravam a discutir e, só reparara, quando este lhe deu um estalo. Ficou perplexo, como poderiam eles conhecerem-se ao ponto de estarem a discutir sobre algo comum aos dois, mas do qual ele não conseguia perceber por se encontrar um bocado longe e, mais preocupante ainda, que relação haveria entre estes dois ‘grupos’ e o que teria isso a ver com ele? Essas perguntas vagueavam-lhe pela cabeça e ele não encontrava resposta. Viu Daniela dirigir-se á porta e então afastou-se para um canto, ele queria ouvir o que ela tinha para lhe dizer, mas estava preparado para fugir: “talvez agora, tenha mais hipóteses” – pensou.

(Parte XIX)
- Tomás? – Inquiriu Daniela. – Precisamos de falar … - Sentia-se a culpa presente na sua voz.
- Que queres? – A voz de Tomás provinha de uma zona para a qual Daniela não tinha visibilidade, de modo que ela ficou imóvel no mesmo sítio.
- Chega aqui! – As suas palavras suavam quase como uma ordem. – Se queres sair daqui vem falar comigo. – Disse num sussurro, soando a sua voz tão baixa e tão leve que até Tomás teve dificuldade em ouvi-la.
Tomás aproximou-se com passos morosos e desconfiados, chegando até bem perto dela, examinando-lhe as nódoas negras, os cortes e as queimaduras, uma a uma, pintando na sua mente uma imagem de uma brutalidade enorme, de uma tortura quase desumana.
- Houve-me … - Daniela inspirou uma grande lufada de ar como se as palavras lhe custassem a ser pronunciadas e como se ela necessitasse de ganhar coragem para o fazer. – Não me perguntes como nem porquê, mas tu despertaste-me um interesse enorme, o que impossibilitou que eu cumprisse o meu objectivo. Eu fui contratada para te matar e aceitei, mesmo sabendo que, caso algo corresse mal, eu pagaria pela vida. Eu não o consegui, nem consigo fazer, o meu destino já está traçado, vou morrer hoje, eu sei. Por isso posso fazer algo de útil, posso tirar-te deste pesadelo. Sei que não deves conseguir confiar em mim, mas acredita que sou a tua melhor hipótese de saíres vivo daqui. Desculpa mais uma vez, mas tinha de ser.
- Porquê? Diz-me porquê. – Tomás mal conseguia acreditar no que ouvia.

(Parte XX)
- Eles, os que nos raptaram, queriam informações sobre ti. Daí terem feito o que fizeram em minha casa, á procura dos ficheiros. Esses ficheiros continham tudo o que há a saber sobre a tua vida. Não sei porque, António, o homem que está lá fora, precisa de ti fora do seu caminho. Talvez te considere uma ameaça, devido ao interesse desses homens e é lhe, mais fácil, acabar contigo do que com todo o grupo deles, que se encontra espalhado pelo pais. Sim, eu sei, isto mais te parece uma coisa saída de um filme, algo irreal. Mas a verdade é que, o mundo, está repleto de grupo destes e de situações como estas. Se não fosse eu, teria sido outra pessoa e, acredita que, se assim o fosse, o provável era estares morto. Porque fui eu que não consegui cumprir o meu trabalho e já que tenho a minha sentença ditada e lida, posso fazer com que não tenhas a tua. Toma, agarra. – Deu-lhe uma pistola para a mão. – Podes usá-la para me matar mas, quando António entrar por esta porta lembra-te, ele tem pontaria e costuma ser certeiro, mas por vezes, demora a disparar.
- Eu não consigo permitir-me a mim próprio deixar-te aqui. Vem comigo, vamos embora. – Disse Tomás. – Só quero que tudo acabe.
- Vai acabar depressa, vais ver. – Daniela agarrou-lhe na mão e deu-lhe um beijo longo e demorado, de despedida, ela sabia que, pelo menos um deles, ou até os dois, iria morrer e queria despedir-se. Puxou-o até lá fora, escondendo-o atrás do seu corpo “esconde isso” ordenou-lhe e ele, de seguida, escondeu a pistola.

(Parte XXI)
- Afasta-te Daniela! – A sua voz impiedosa troava no silêncio.
- Não o vou fazer. – Pela primeira vez Daniela tinha-o enfrentado, apesar de sentir um medo de morte daquela figura hostil. Baixinho sussurrou a Tomás “Quando eu te fizer sinal corre, eu vou logo atrás de ti”.
- Criança imbecil! – Bradou. – Sai JÁ do meu caminho. Não o volto a repetir.
- Não! Não tenho mais medo, já sei o que me vai acontecer de qualquer forma, ao menos vou fazer algo acertado. Vai Tomás!
Tomás começara a correr em direcção á porta empunhando a arma que, agora, se encontrava á vista de toda a gente. A cólera invadiu o rosto de António e este, rapidamente, deitou a mão ao cinto, sob o qual se encontrava, presa, uma pistola de calibre 9., e preparava-se para disparar. Daniela lançou-se sobre ele, fazendo-o desviar a arma e acertando na ombreira da porta, passando por Tomás de raspão, não lhe acertando mesmo por pouco. Ouviam-se os tiros e os gritos por toda a rua e as pessoas fugiam rapidamente, encontravam-se num bairro social, nos subúrbios da cidade, um local que costumava ser escolhido por traficantes de armas e droga e onde, também, raptores costumavam executar os reféns. Tomás, ao sentir a luz do sol nos olhos, a qual ele não via há algumas horas, sentiu-se encadeado. Virou-se em direcção á porta e viu Daniela a correr em direcção a ele e, António, a empunhar a sua arma, apontada a ele. Começou a correr na sua direcção, nem ele percebia bem o que estava a fazer e nos poucos segundos que levou a chegar até junto dela tentou descobrir qual a justificação pelo seu acto, meio involuntário.

(Parte XXII)
- Estás louco? – Daniela olhava para ele incrédula, ele dirigia-se a ela, colocara-se á sua frente e fizera de seu colete. A bala tinha embatido nele e ele encontrava-se agora, estendido no chão. Daniela sentia lágrimas a escorrer-lhe pela face, “não me lembrava desta sensação” – pensou, desde que se afastara de seus pais que ela não sabia o que era chorar, tinha tido uma infância um pouco má e, desde aí, era um pouco revoltada com tudo, talvez por isso tenha sido ela a escolhida por António.
- Se alguém tem de … morrer … que seja eu. Esta guerra, como lhe chamaste, não acabaria … enquanto eu estivesse … vivo. – As palavras doíam-lhe, sentia-se cada vez mais pesado, respirar tornava-se difícil e, concentrar-se em manter os olhos abertos, também. Finalmente, fechara os olhos, tudo isso se tinha passado em poucos minutos, na verdade pouco mais de 2 minutos.
Daniela interrogava-se pelo facto de ainda não se encontrar morta, pousou o corpo de Tomás no chão frio, sujo e vermelho e levantou-se. Sentiu uma arma encostada á cabeça.
- Agora é a tua vez meu amor. – Disse António, com um sorriso vitorioso na sua face. – Queres ir ter com ele?
- Sabe bem que eu não acredito em vida após da morte, mas você bem pode ARDER NO INFERNO. – As suas últimas palavras formavam um grito que lhe arranhava a garganta. Virou-se rapidamente e, agarrando os brancos de António, colocou-se atrás dele e, erguendo a arma que tinha retirado das mãos de Tomás, gritou-lhe, com lágrimas nos olhos. – MORRE! – Ouviu-se o som de um disparo e, depois, todo o bairro caiu no silêncio.

(Parte XXIII)
A antiga casa de Daniela encontrava-se vazia. Também ela, agora e novamente, se encontrava vazia, pela primeira vez em muito tempo tinha sentido alguma coisa e agora, só e apenas, sentia raiva. Mudara de nome, agora para Raquel, mudara de cidade e arranjara um emprego estável. Não se relacionava com ninguém falava, com os seus colegas, apenas o necessário e pouco mais. Toda a gente a achava estranha e demasiado reservada. A história do seu passado era um mistério, mas corria o boato de que ela se tinha afastado dos pais devido a uma infância complicada e que por isso não conseguia criar ligações afectivas. Em parte era verdade, mas ela não falava disso.
Todas as noites, antes de dormir, ia buscar a pistola, que tinha guardado desde aquele dia, já á um ano atrás, e colocava-a junto a cama, só assim se sentia segura. Nunca ninguém tinha descoberto a verdade sobre o acontecimento, as pessoas daquele bairro não falavam, alegavam não ter visto nada e, mesmo que tivessem, nunca o diriam. O comunicado que chegara á impressa foi que, tudo aquilo teria sido uma guerra entre traficantes e que, um deles, teria levado a melhor, morto os ouros e fugido com tudo, talvez nunca se conseguisse encontrar tal pessoa. Na verdade, nunca ninguém iria descobrir o que se passou.
E, todas as noites, antes de adormecer, ela via a figura de Tomás estendida num chão marcado pelo sangue e o corpo, inútil e “vazio”, desprovido daquela coisa denominada alma – coisa da qual Daniela alegava não ter conhecimento - de António a cair, lentamente, no chão, com um buraco feito, na sua cabeça, pela bala que tinha saído a uma velocidade louca do cano da pistola. O seu ultimo pensamento era sempre o mesmo “ao menos vinguei-te.”